CIDADE

O semeador saiu a semear

Artigo escrito pelo Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho, professor no Seminário de Mariana durante 40 anos


Publicado em: 04/08/2023 às 15:04hs

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O semeador saiu para lançar a semente. O semeador é Jesus, a semente é sua palavra, seu Evangelho e a terra que recebe esta semente é coração do homem, o coração de cada um de nós. (Mt 13,1-23).  Jesus nos mostra que não é suficiente lançar a semente para que ela dê fruto. É imprescindível que esta semente caia em uma boa terra. O Senhor patenteia nesta parábola três obstáculos ao crescimento da palavra: a ausência do acolhimento desta palavra que permite ao inimigo roubar a semente e as preocupações mundanas e as seduções da riqueza que sufocam esta semente. Quando a fé é anunciada aos homens de coração fechado, a palavra escapa em sua vida. O tesouro da fé fica exterior à vida das pessoas que não souberam ou não puderam se abrir à dimensão espiritual de sua humanidade. Elas ficam alheias às realidades espirituais.  Os pássaros do céu não têm então nenhuma dificuldade em vir comer esta semente da qual eles não souberam se alimentar eles mesmos. O homem não É, antes de todo um mamífero, nem somente um mamífero espiritual. É um ser espiritual criado à imagem e semelhança de Deus e cuja vocação fundamental é de se abrir à esta relação espiritual. Nós sabemos ter uma justa compaixão para com as pessoas que sofrem de um handicap, de uma desvantagem física ou intelectual, mas sabemos nós também medir a maneira com a qual nossa sociedade fabrica numerosas desvantagens espirituais para a ruina dos valores humanos, o materialismo. Quando o coração da pessoa que escuta a Palavra não está fechada, ela pode então acolher com alegria esta palavra. Isto, porém, não é suficiente, é preciso que esta palavra se enraíze por um trabalho de lavoura profunda, do solo retirar as más pedra que impedem o desenvolvimento das raízes. Ter fé, receber a palavra e isso nos exige lhe oferecer as melhores condições de crescimento. A primeira etapa desse trabalho é de reconhecer que nosso coração pede uma conversão, retirada de pedras, para permitir à palavra tomar raiz nos nossos corações. O pior é, além disto, para um cristão não ter consciência deste trabalho de conversão a se efetuar na sua vida, de não perceber o que lhe resulta da má terra e das pedras a serem tiradas. O importante é um bom exame de consciência, sincero, completo, exato. Enfim, sua fé é ela ainda viva e isto deve ser bem explorado.  Nenhum de nós sabe amar com a profundeza necessária do Amor mesmo de Deus e, por isto, cumpre sempre progredir espiritualmente.  Ao lado deste trabalho e de esforço para melhorar a terra de acolhimento da Palavra, do Evangelho, é preciso prestar atenção àquilo que pode do exterior impedir o crescimento da semente. Atenção às más ervas que podem predominar sobre a boa planta. Este trabalho de limpeza é um esforço de vigilância e de fidelidade como o sabem os bons jardineiros. É um trabalho contínuo, semanal, persistente. O cristão se torna cada dia mais perfeito pelas escolhas e pelos atos que são postos de acordo com a fé de cada um. A parábola deste dia sublinha, portanto, que ser discípulo de Jesus é entrar em uma relação de vida com o senhor que tem suas exigências. Exigência que exige um trabalho de abertura de si para acolher a Palavra, num aprimoramento de nossa vida, para permitir à Palavra tomar raiz. Vigilância e fidelidade para não deixar que a más ervas prejudiquem a boa semente. Nós devemos nos libertar daquilo que há de mal em nós, do orgulho, para que possa surgir em nós o homem novo criado à imagem e à semelhança de Deus.  Este trabalho tem uma dimensão dolorosa porque é um trabalho de purificação do pecado que está enraizado em nós. É de se notar que a Palavra poderosa do Senhor age em nossas vidas e a transforma na medida em que temos disponibilidade à ação do Espírito Santo. Cumpre então saber que não é Deus que tarda em estabelecer seu reino no mundo e em nós. É antes de tudo nós que somos dispostos a uma abertura às graças do Espírito Santo em nossos corações. Entretanto cumpre estar ciente que Deus é nosso Pai, um Deus paciente e generoso que não cessa de nos cumular das graças das quais temos necessidade e Ele nos acompanha em nosso ritmo neste trabalho espiritual. O Senhor sabe bem que o coração do homem é complicado, mas Ele é também o melhor médico para cada um de nós.  A lentidão com a qual a Palavra de Deus se enraíza e se desenvolve em nosso coração não deve nos transtornar, mas ser também ação de graças pela paciência de Deus para cada um de nós. Depois do dia de nosso batismo a Palavra semeada em nossos corações   deve mover nossa vida espiritual, nosso jardim interior e que nós nos entreguemos a um trabalho perseverante para que um dia possamos oferecer a Deus belos frutos.  Tudo depende da escuta existencial da Palavra do Pai, do dom de Deus.

 

Artigo originalmente publicado na edição impressa do dia 27/7/2023.