CIDADE

Coisas de Jacob

Artigo escrito por Dionísio Ladeira


Publicado em: 04/08/2023 às 13:15hs

...

Paralíticos em cima das respectivas cadeiras de rodas, Zizico Bambo e Nhonhô Gambá tinham uma venda de verduras, frutas e legumes na Praça do Rosário, ali – como é que vou explicar? – ali... na metade do que hoje é o início da Av. P. H. Rolfs.

Veja se entende... Havia as casas do Dr. Mário del Gíudice, do Dr. Cristóvão, do Joventino, do Zizinho Alencar, do Miluca e aí acabava aquele lado da Praça do Rosário e começava um outro lado com a casa do Zizico Bambo e do Nhonhô Gambá. Depois é que vinha a estreita estrada para a “Escola” (rua, com uma ou outra casa de um lado e do outro, só depois da linha na direção às Quatro Pilastras).

Voltando à Praça do Rosário e olhando em direção à estrada, à esquerda ficava a casa do Zizico Bambo e do Nhonhô Gambá e à direita ficava a velha casa onde morara Nico Lopes (e depois construíram ali o cinema).

Destacada na parte superior do jardim estava a Igreja do Rosário, onde Padre Chiquinho celebrava missas e moravam as corujas que, como os irmãos Zizico Bambo e Nhonhô Gambá, eram objeto da curiosidade da molecada.

Não obstante inimigos íntimos, os donos da venda de verduras, frutas e legumes eram acordes na exigência com os fornecedores. Ao Guido, portador das abóboras & morangas que Cirene – pensando no ingresso pro cinema – surrupiava no quintal do vizinho Juquinha Torres (na esquina da Silviano Brandão com a Virgílio Val), a dupla dizia que, com o cabinho, pagava o preço X; sem o cabinho, só a metade...

Afora isso, como lídimos representantes da rrraça, os irmãos viviam às turras entre si, provocando um ao outro com suas vozes arrastadas:

– Ooo Nhôôônhôôô ééé uuumaaa beeestaaa!

– Beeestaaa ééé ooo Ziiiziiicooo!

Era o ano de 1947. Os jornais do Rio de Janeiro, então Capital da República, descobriram a ocorrência de milagres de Nossa Senhora das Graças, por intercessão do Padre Antônio Pinto, em Urucânia. A potente Rádio Nacional transmitia diariamente seus pedidos de bênção. E a pacata Viçosa – como outras cidades desta Zona da Mata – estava no corredor daquelas milhares e milhares de pessoas que, partindo do sentido carioca, em vagões, automóveis, ônibus e caminhões, buscavam curas para seus males físicos, morais, psíquicos e sei-lá-mais-o-quê.

Em busca do “deixa a tua cadeira e anda”, para Urucânia também se dirigiu Nhonhô Gambá.

Não obstante, infrutiferamente...

É que, antes de invocar o milagre de Nossa Senhora das Graças, perguntou-lhe o Padre Antônio Pinto:

– Que o senhor vai fazer se ficar curado?

Respondeu o Nhonhô com a voz arrastada:

– Eeeu vooou maaatááá ooo Ziiiziiico...

 

Artigo originalmente publicado na edição impressa do dia 27/7/2023.