CIDADE

O chapelão

Artigo escrito por Dionísio Ladeira


Publicado em: 23/12/2021 às 15:40hs

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Ainda lá na roça, minha mãe tinha uma estampa de Santa Catarina de Sena, com o chapelão de aba ‘daqueeele’ tamanho. E a menina Antônia (irmã da Martha – esta, muitos anos depois, se torna esposa do Geraldo, meu irmão) ficava encantada com aquele chapelão... Um dia confessou:

- Quero ser freira. Ter um chapéu grande assim. De aba.

Eis que estávamos em muitas décadas depois – inícios dos anos 1970 – e minha terra natal ia assistir à cerimônia da administração do sacramento da ordem a um filho seu, o José Lopes. Botei a família no banco de trás, dei carona no banco da frente para a Irmã Antônia, agora realizada com o chapelão que ocupava um espaço meio exagerado e toquei o fusquinha para São Miguel do Anta.

Em lá chegando, ainda na Rua das Flores, um pouco antes da casa em que nasci – construída por Juca Jacintho e então habitada pela professora D. Almerinda –, eis que se nos depara, vindo em direção contrária, uma multidão que ocupava toda a extensão da rua. Guiada pelo Pe. Wandick, o vigário, pelo diácono José Lopes, que ia ser ordenado sacerdote, e pela banda de música, São Miguel do Anta inteira caminhava para recepcionar, na entrada da cidade, a D. Oscar de Oliveira, o Arcebispo de Mariana, que ministraria o sacramento da ordem ao ‘filho do Zé Severino’.

Previdentemente, encostei-me à calçada e parei meu fusquinha 1961, caixa seca, com a freira no banco da frente, ela escondida sob aquele bendito chapelão.

Atraídos pelo chapelão com aquela aba enorme, que prenunciava uma freira por baixo do invólucro, Padre Wandick e o Diácono José Lopes se aproximam do fusquinha, a banda inadvertidamente os acompanha, Pe. Wandick faz o sinal para irem em frente – grita: “Toca!” – a banda toca, os mais próximos, buscando o Arcebispo no banco de trás, enfiam a cabeça entre o chapelão da freira e a porta do carro e – pior... – o moço ali no pasto ao lado põe fogo nos foguetes e houve (‘e ouve-se’) o estatelar que lembraria mais tarde o Toninho Chequer sendo eleito pela terceira vez... Foi um vexame!

Quando finalmente o Arcebispo D. Oscar de Oliveira chega havia ainda, sim, quase intacta a multidão que fôra recepcioná-lo, acho que intacta a banda que repetiu uns dobrados. Sem dúvida: intactos os frangos do almoço...

Mas foguetes mesmo, que anunciariam ao longe a alegre recepção... neca de pitibiriba!

Tudo por culpa da Irmã. De aba...